Esperar
por Jorge C Ferreira
São tantas as vezes que desembrulhamos a vida e um sem fim de medos nos vem com pele agarrada. O pânico tão difícil de controlar. O pensar que não somos capazes de ultrapassar o próximo desafio. As rotações da mente em ritmo acelerado. O corpo cada vez mais inerte. Um sofá-cama que cheira a desastre. Uma vida que sabe ao fim de tudo. A ajuda que tanto necessitamos. A mão que queremos ver estendida.
Respirar fundo. Ir ao mais profundo de nós. Ganhar coragem e ter a certeza que estamos a respirar. As notícias doentias. A maldade de quem alimenta o medo. “Às armas, às armas!” Não consigo cantar esta parte de “A Portuguesa”. Continuo o meu exercício de sobrevivência. Com armas nunca. Procuro sempre a paz. Também no meu corpo. Luto contra todos os fantasmas que vêm de um tempo muito antigo.
Conseguir que nos compreendam. Conseguir que percebam que somos do dar e não do receber. Fazer saber que não esperamos nada em troca do que oferecemos. Ficar, no entanto, grato pelo reconhecimento. Saber ser. Saber esperar. Saber que tudo vai acabar. E, no entanto, os estúpidos receios do que não conseguimos dominar. O corpo a fraquejar. A mente a pedir conselhos. Estimular a vida com pontapés certeiros. Os golos que não aparecem. Isto não é um jogo de futebol. É mais xadrez. Há sempre uma rainha na nossa vida. Temos de conhecer bem o jogo.
As centrais de informação cada vez mais com o seu instinto assassino. Os dentes afiados. A propagação do medo, da desgraça, do crime, da falsidade, da história mal contada. As manchetes sem sentido. As notícias pífias que ninguém lê.
As dificuldades das pessoas e o meu tormento. Ver o governo a comportar-se como as senhoras, do meu prédio antigo de Lisboa, que tinham o seu pobrezinho. Desta vez os senhores do mando decidiram distribuir uma esmola a todos os cidadãos. Só faltou vir a mensagem: “agora não vão gastar tudo em vinho”. De esmola em esmola nos vão empobrecendo. De esmola em esmola nos vão destruindo. “Um tostãozinho para o Santo António”.
As arritmias, as palpitações, tudo a agudizar-se. Procurar o equilíbrio. Procurar a nossa sustentação. A ansiedade a gastar as pilhas que nos suportam. Procurar a estabilidade dos elementos que nos rodeiam. Procurar a paz. Procurar saber o que sentimos.
As datas que são marcos na nossa vida. Há muito que só guardo as boas datas. As datas que, como flores incandescentes, nos encheram de luz. Tudo o resto sei que aconteceu. Sinto. Sei dos factos. Mas nunca sei a data. Aconteceu, doeu, ainda dói por vezes. Não vale a pena martelar com datas o acontecimento.
Não sei se vai haver mais esmolas. Não sei de nada. Sei cada vez menos. Não frequento os meandros do poder. Não tenho amigos enleados na teia dos interesses. Sou, cada vez mais, um sem-abrigo dos poderes instalados.
Mais palpitações, outra arritmia. Isto está difícil de parar. Isto está difícil de mudar. As autoestradas para o vazio estão feitas. O aeroporto de Lisboa continua em discussão desde os meus 9 anos. Está para durar. Tenham calma. Desesperar, “Jamais!”. Poi é, somos um povo calmo e ordeiro. Até quando?
«Ouve lá. Tu para dizeres mal estás por aí. Mas até tens um bocado de razão.»
Fala de Isaurinda.
«Temos de falar. Senão morremos engasgados.»
Respondo.
«Eu sei. Uma coisa que eu não gosto nada é desses teus pânicos.»
De novo Isaurinda e vai, rápido.
Jorge C Ferreira Outubro/2022(370)
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Apetece dizer que o Escrito, Pensador saiu à rua com as palavras assertivas, sentidas de.uma lucidez que te pertence. Meu Amigo que bom seria que este texto fosse uma memória de há muitos anos. Abraço imenso Jorge.
Obrigado Regina. É no meu canto de pensar que escrevo estas coisas. Passagens da vida. A minha gratidão pela tua presença aqui. Abraço enorme
Excelente. Palavra a palavra. Tudo dito e tão bem dito construção de uma vida. Memórias. O mundo em que vivemos. A verdade que procuramos. A guerra que avassala os povos. A paz que vai fugindo.
Obrigada Amigo por tanto que dá através da sua escrita.
Grande abraço.
Obrigado Eulália. Minha Amiga lutadora. Esta vida é luta e labuta. Um cardápio de coisas contrárias. Por vezes o contrário de nós. A minha imensa gratidão por estar neste nosso espaço. Abraço.
Boa tarde, Jorge!
Estou em uníssono com tudo o que diz e é-me difícil acrescentar algo mais, um pouco diferente para ficar igual ao que muito bem escreveu; iria tirar o brilho da sua bela narrativa. Contento-me em reler as vezes que forem necessárias para apreender o seu conteúdo.
Um abraço, Jorge!
Obrigado António, meu generoso Amigo. Fico muito feliz que o texto lhe tenha agradado. Eu sei que, com a sua experiência de vida, muito podia acrescentar. Muito grato pelo seu comentário neste nosso espaço. Abraço forte
Maria Matos 1 Novembro 2022
Como subscrevo cada linha que escreve.Tofa a situação que vivemos descrita.com uma mestria ímpar. O medo, a falta de esperança à espera da paz.
E é isso que queremos — PAZ
Obrigada, Jorge, pela sua verdadeira é maravilhosa escrita, que tanto admiro!
Um grande abraço
Obrigado Maria Matos. É muito gratificante para quem escreve saber da opinião de quem tem o trabalho de o ler. O seu comentário é isso mesmo. A minha gratidão pela sua presença. Abraço Amigo.
Maria Matos 1 Novembro 2022
Como subscrevo tufo que escreveu com uma mestria inusitada ! Tudo o que estamos a viver… o medo, a falta de esperança, o anseio pela Paz!
Só o que pedimos— PAZ
Grande abraço Jorge.
Obrigada pela sua fascinante escrita!
Obrigado Maria Matos. Vamos lutar pela paz. Vamos encher o mundo de pombas brancas. Muito grato. Abraço
Conheço-o desde tempos imemoriais
Ao cronista. Muito pela sua escrita.
Breve. Sucinta. Sem nós. Inteira. Sem grandes floreados.
A palavra ágil que atinge certeira os podres de uma sociedade que corre para longe do abismo.
A palavra certa que não foge à verdade. À realidade. Que se alarma. Queixa. Satiriza.
A palavra que chega a ser dor.Ferida aberta. Em chaga.
A palavra que abraça e se doa. E traz o beijo nos lábios.
A palavra que abre o umbral. Avisa. Grita. Quase que enfurecida.
A palavra sem embargos. O passado à flor da pele. A saudade que é dele e nossa.
A palavra emoção. Transparece em névoas e brumas para logo se tornar sol. Brilho. Gaivota. Rio. Azul. A outra margem…
Conheço-o desde tempo imemoriais.
Ao poeta.
Pensador.
Filósofo.
Descritor.
Tanto pelo seu dom. O da palavra.
E assim me fico. Espectadora de um testemunho que nos apresenta. Desnudo. Íntegro. São. Fluente. Claro
Como se o conhecesse. Desde tempos imemoriais…
Obrigado Mena. Tão generosa minha Amiga. Gostava de ser um pouco do que dizes. Sou apenas o cronista que com liberdade se expressa. Os teus comentários são sempre empolgantes. Dão-me força para continuar a escrever. A minha gratidão imensa. A tua presença neste espaço é muito importante. Abraço grande
Ler, e, interiorizar cada palavra, cada uma vai de encontro ao que penso, se penso existo, o meu contentamento descontente com muito e tanto cada vez mais dorido. Penso e no silencio filtro o que ainda me consegue fazer sorrir, apenas sorrir, tristeza afasto-me dela como dor que arde sem se ver, se bem que tudo tem um pouco de amor dentro de cada um de nós, esse amor pode ser esperança para tantos males (…) Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Esperar para ver a cura da humanidade.
Abraço meu amigo!
Obrigado Cecília. O teu comentário é um lindo poema. Receber isto é muito gratificante. A tua capacidade de entrega imensa. Imensa é também a minha gratidão por tudo o que nos deixas aqui. Abraço grande
Li toda a realidade da sua Crónica.
Que subscrevo, ciente que palavras minhas são desnecessárias.
Adorei, meu querido escritor.
O meu abraço é enorme.
Obrigado Maria Luiza. A sua generosidade é imensa. Coisa a que me faltam palavras para agradecer. Não estou de acordo que as suas palavras são desnecessárias. A sua sabedoria deve sempre ser expressa. A minha inensa gratidão. Abraço grande
O que penso e não sei escrever .
Tanta coisa em comum que também sinto.
Um privilégio tê-lo como Amigo e poder ler o que escreve.
Abraço
Obrigado Maria Rosa. É tão bom ter aqui o seu comentário. O privilégio é meu em tê-la como Amiga e leitora. A minha gratidão. Abraço forte
Meu querido Amigo/ Irmão, lia-te e era como se pudesse dizer-te e logo ouvisses (é o que também penso ).
Vivem-se momentos por vezes muito feios. Mas tu não és homem de desistires dos teus sonhos. Perguntem à Isaurinda.
Nunca esqueças ( posso garantir ) que lutaremos pelos nossos IDEAIS . E as Avenidas para descermos em luta e, depois na Vitória, ainda estão nos seus lugares. Bjinhos.
Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. A nossa sintonia é uma honra para mim. Escreveres aqui im comentário um orgulho. Essa Avenida espera por nós. A minha imensa gratidão. Abraço enorme.
Uma crónica a expressar um sentir ansioso. Este manifestando-se no corpo causando um mal estar generalizado. Um desalento. Uma solidão dorida, mas paroxalmente protectora. A mente a defender-se e nessa defesa a pregar partidas. A colocar o corpo em alerta ( e sofrimento). A (im) possibilidade de ajuda. Estar à margem e ser margem. Do corpo aos acontecimentos externos a que se não foge (sempre). O medo e a revolta. A impotência. A memória presente a dialogar com a passada. Os mesmos desatinos. Fugir para fora para se libertar. E a coragem de dizer o conteúdo da espera.
Um texto corajoso sobre os podres, as dificuldades e peripécias do mundo social e político a atingir o autor. A manter-se neste registo ao longo do tempo e por vezes a, logicamente, transtorná-lo. Como não? . Um pânico lógico de um humanista militante. Uma reflexão sobre os não-ditos e o modo como se apoderam do autor, que os verbaliza e lhes dá voz. Pensar o presente através do passado e vice-versa num exercício discursivo e pessoal. O tempo. Sem tempo afinal na ‘avalição ‘ do político. O medo sem medo, ao assumir o pensamento crítico e o permanente desassossego pessoal.
Um texto de luta ( toda a luta gera medo e dor, por mais apropriada ou inevitável). Interna e externa por princípios universais.
Obrigado Isabel. Sempre tão profundo o que escreve. Sinto um orgulho enorme em ter sempre aqui os seus comentários. Ele diz tanto que acrescentar algo seria estagar. A minha profunda gratidão pela sua presença neste espaço. Abraço grande
Revejo-me.
Abraço
Obrigado Cristina. Que bom que te revelas neste escrito. Grato pela tua presença aqui. Abraço grande
“Esperar”
Amigo Jorge, revejo-me em tudo o que diz nesta crónica. Aliás, acontece-me muitas vezes quando o leio.
Sinto o mesmo tipo de palpitações e desencanto.
Viver um dia de cada vez, esta a minha forma de estar que nunca pensei adotar. Triste, mas cada um procura as suas defesas. Contudo, não significa ficar calado, isso nunca. Vivemos em democracia.
Faço parte do clube!
Abraço
Obrigado Fernanda. Que bom estar de acordo com o que escrevi. Nunca estamos sozinhos no mundo. Calar nunca. Gritar se necessário for. Grato pela sua presença neste nosso espaço. Abraço forte.
Saber documentar para memória presente e/ou futura é uma arte apelativa da tua pessoa, que muito estimo e admiro.
Neste “recanto” de hoje, tocaste nos enredos dos tempos que se vivem, sem futuros ou esperanças. A palavra Paz parece ter sucumbido no “armamento” de acefalias intrigantes por entre interesses virulentos, quantas vezes demolidores de quem os publica e enaltece.
A palavra esperança, cada vez mais é um mar indefinido de preocupações, e as marés já não cumprem horários dantes … bem iodados.
Permite-me “amigão” que muito estimo e admiro, um abraço sentido de amizade ímpar e admiração infinita.
Uma honra ler-te!
Obrigado José Luís, poeta, amigo. É tão gratificante e tão importante o que dizes. Um comentário cheio de coisas importantes. A minha imensa gratidão pela tua presença aqui. Abraço forte